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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 18 – 30–31
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Argumento do jornalista
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Argumento do jornalista
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 30–31]

 

Argumento do jornalista.

 

As artes todas são uma futilidade perante a literatura. As artes que se dirigem à visualidade, além de serem únicos seus produtos, e perecíveis, podendo portanto, de um momento para o outro, deixar de existir, não existem senão para criar ambiente agradável, para distrair ou entreter – exactamente como as artes de representar, de cantar, de dançar, que todos reconhecem como sendo inferiores em relação às outras. A própria música não existe senão enquanto executada, participando portanto da futilidade das artes de representação. Tem a vantagem de durar, em partituras; mas essa não é como a dos livros, ou coisas escritas, cuja valia está em que são partituras acessíveis a todos que sabem ler, existindo ali para a interpretação imediata de quem lê, e não para a interpretação do executante, transmitida depois ao ouvinte.

 

As literaturas, porém, são escritas em línguas diferentes, e, como não há possibilidade de haver uma língua universal, nem, se vier a havê-la, será o grego antigo, onde tantas obras de arte se escreveram, ou o latim, ou o inglês ou outra qualquer, e se for uma delas não será as outras, segue que a literatura, sendo escrita para a posteridade, não a atinge senão, na maioria dos casos, em referências indirectas, nomes sem sentido, numa vida de citação traduzida e dicionário.

 

O jornalismo, sendo literatura, dirige-se todavia ao homem imediato e ao dia que passa. Tem a força directa das artes inferiores mas humanas, como o canto e a dança; tem a força de ambiente das artes visuais; tem a força mental da literatura, por de facto ser literatura. Como, porém, o seu fim não é senão ser literatura naquele dia, ou em poucos dias, ou, quando muito, numa breve época ou curta geração, vive perfeitamente conforme com os seus fins.

 

Concedo, disse, que Ésquilo seja hoje, ainda que translatamente, uma influência. Nego que uma influência translata possa ser uma influência literária. É para nós como um homem agradável que nos fala uma língua estranha. Como é agradável, admitimos que esteja dizendo coisas simpáticas. Como, porém, o fim de dizer é ser entendido, e o não entendemos, há erro em tudo que está nisto.

 

A religião e o jornalismo são as únicas forças verdadeiras. Quando se diz que o jornalismo é um sacerdócio, diz-se bem, mas o sentido não é o que se atribui à frase. O jornalismo é um sacerdócio porque tem a influência religiosa de um sacerdote; não é um sacerdócio no sentido moral, pois não há, nem pode haver moral no jornalismo, que serve o momento que passa, em o qual não cabe, nem pode caber, moralidade.

 

[31r]

 

Quando digo que escreve futilmente o que escreve para a imortalidade, ou para as épocas futuras, deve entender-se que não pretendo com isso negar a sobrevivência da alma, ou até a sua imortalidade. Não nego nem afirmo; concedo. Mas nada disso pesa no meu argumento. A acção da literatura é sobre quem fica neste mundo… (E o astral do poema, ou da narrativa?.....)

 

– Engana-se, meu amigo, disse eu. Cada coisa neste mundo não é porventura senão a sombra e o símbolo de uma coisa (essa a verdadeira) em outro mundo antitípico ou espiritual. Não é pois a língua em que está escrito um poema que pesa no caso. É o poema que foi escrito nessa língua. E esse é uma entidade abstracta e real, agente sem corpo verbal.

 

— Seja, respondeu o jornalista. Concedo sem admitir.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2350

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria
Genologia

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 36-38.
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