[BNP/E3, 14C – 17]
Não é por simples literatura que, nestas palavras preliminares, me servi de imagens e comparações extraídas da ciência hermética. Essas imagens e comparações surgem naturalmente quando o assunto é Goethe, pois que tanto no primeiro quanto (e ainda mais) no segundo Fausto ele escreveu simbolicamente, hermeticamente até, em muitos pontos. Não se pode escrever sobre Goethe sem algum entendimento das cinco disciplinas simbólicas a que convenientemente se chama "as ciências ocultas".
Goethe era um intuitivo e um observador. O magnífico equilíbrio do seu espírito - manifestado mais na vida que nas obras - provém do modo como aquelas duas feições do seu espírito se completam, se complementam, se equilibram. O que nessa obra é falho e frustre - a deficiência, por vezes assombrosa, de construção, a falta de disciplina estética e racional - provém de que a essas duas qualidades opostas do espírito ele não acrescentava a inteligência discursiva, quer como raciocínio, quer como instinto de distribuir e de compor.
É curioso compará-lo a Shakespeare, que também foi um intuitivo e um observador. Shakespeare foi, porém, mais intuitivo que Goethe; e foi observador diferentemente. Foi mais intuitivo que Goethe porque a sua intuição foi menos desvirtuada por cultura, e o seu poder de expressão - por vezes sobre-humano - era superior ao de Goethe. Foi observador diferentemente porque, ao passo que a objectividade de Goethe se derivava de observação natural ou física, a de Shakespeare era psicológica e poética.