[BNP/E3, 142 – 47]
As relações da psiquiatria com a literatura não têm sido felizes. Fora o livro de Nisbet sobre a Loucura do Génio (Quote title in note), o trabalho psiquiátrico tem sido fortemente eivado de superstições científicas e de indisciplina intelectual. Algumas obras, como a de Nordau e de Lombroso, pertencem ao charlatanismo científico. As inúmeras outras, que se têm escrito – monografias no género, como o Poetas e Pintores de Rilhafoles do sr. Júlio Dantas, nem chegam a constituir charlatanismo.
_______
A obra literária e artística pode legitimamente, como efeito, ser objecto de análise psiquiátrica. O que é preciso é nunca elevar a análise psiquiátrica a critério estético. Perante uma obra literária, o psiquiatra nunca deve esquecer que é só psiquiatra, e não crítico literário. Renasce a velha tese da arte moral. Antigamente atacava-se tal obra de arte porque era imoral e o ataque falava da obra como se assim a ferisse esteticamente. Por uma confusão mental o critério moral era erigido em critério estético abusivamente.
[47v]
Os psiquiatras modernos – por uma questão de indisciplina mental – caíram no mesmo erro. Elevaram o critério psiquiátrico a critério estético. Tendo descoberto que tal autor era doido, chamaram à sua obra má; quando a única afirmação científica que poderiam fazer é que esse autor era doido, e mais nada.
Lembra um pouco a resposta de Pope àquele lexicógrafo inglês que exprime, num processo, como testemunha da parte contrária. Trata-se de {…}
{…} Johnson’s Lives of the Poets, {…})
_______
Um louco pode produzir obra disciplinada e coerente. O caso de Auguste Comte é típico. Num estudo sobre Antero de Quental, o sr. António Sérgio insere outra pergunta oportuna: {…}
_______
A ignorância e incompetência dos nossos críticos, a incultura e a estupidez do nosso público, a indisciplina mental e o charlatanismo científico dos nossos pretensos homens de ciência – neste meio caiu “Orpheu”.