Desde cedo, não muito tempo depois de, em 1905, se fixar definitivamente em Lisboa – vindo, como se sabe, da África do Sul, onde desde 1896 viveu com a família e concluiu  larga parte da sua formação escolar –, Fernando Pessoa manifestou preocupações com a sua sobrevivência económica. É possível, mas não é certo, que, ao enviá-lo então para a capital portuguesa, onde se matriculou no Curso Superior de Letras, a família lhe fizesse chegar alguma mesada. O facto é que em Junho de 1906, passado cerca de um ano do seu ingresso naquele curso universitário, já Pessoa respondia a um anúncio do Diário de Notícias, mandado inserir por uma firma francesa (Entreprise Générale, de Luvisy).  Verifica-se por essa resposta – de que existe um rascunho no vasto espólio do poeta - que o jovem estudante, nessa altura prestes a completar dezoito anos de idade, já se empenhava em arranjar um trabalho remunerado. Por já estar um tanto desiludido com o curso de letras e pretender dar os primeiros passos de uma carreira profissional?  Pelo imperioso de angariar algum dinheiro, a acrescentar à tal mesada que a família eventualmente lhe enviaria  da África do Sul? Provavelmente por esse conjunto de razões.  O certo é que, a breve trecho, não tardará muito que possamos encontrar o escritor envolvido em actividades relacionadas com o mundo dos escritórios comerciais e quase sempre a exercer a função de  correspondente de línguas.

Deve notar-se, entretanto, que Pessoa, ao longo da vida, veio a exercer outras actividades de onde retiraria ou procuraria retirar a devida remuneração. Entre essas actividades, quase sempre sem grande continuidade, podem referir-se a de jornalista, a de publicitário, a de «inventor», a de tradutor literário e a de empreendedor empresarial. E tudo isso sem esquecer essa peripécia não rasurável da sua biografia que foi o facto de, em 1932, ter concorrido, embora ingloriamente, ao lugar, por certo bem mais estável, de conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, sediado em Cascais.

Sobre a actividade jornalística, destaca-se o caso da curta mas trepidante experiência vivida em Abril de 1915, no  periódico O Jornal, onde o escritor colaborou com diversos escritos, vários deles integrados na rubrica «Crónica da vida que passa...». No que respeita à actividade publicitária, ainda que escassamente documentada, sabe-se que teve certa importância, como o provam alguns conhecidos slogans ou textos promocionais da sua autoria e o facto de ter colaborado, por largos anos, desde 1925, com Manuel Martins da Hora (que teve escritório na Av. da Liberdade, 18-4º.), uma personalidade profundamente ligada aos meios publicitários da época, que chegou a representar a conhecida J. Walter Thompson e a então recém-criada Empresa Nacional de Publicidade. Enquanto homem dado a imaginar inovações de natureza técnica relacionadas com a vida comercial e as tarefas de  escritório, Pessoa foi autor de vários «inventos». Tendo chegado a fazer, por vezes, o registo oficial das respectivas patentes (como foi o caso, por exemplo, de um «Anuário ou indicador sintético, por nomes ou outras quaisquer classificações, consultável em qualquer língua»), não parece que, nesse campo, o poeta tenha obtido algum resultado prático. No que se refere a projectos de  tradução literária – sobre os quais Pessoa elaborou, ao longo da vida, diversos e extensos planos de trabalho –, constata-se que o labor do poeta foi, a tal respeito, bem mais vasto e significativo do que se chegou a supor. A tal propósito, convirá, no entanto, fazer uma distinção entre duas  facetas (de que se poderiam dar numerosos exemplos): a das traduções promovidas por incumbência alheia, logicamente  ligadas à ideia de uma compensação material; e a das traduções feitas por iniciativa própria, por mero prazer, sem objectivos remuneratórios.  

 

No que tem a ver com a vertente «empresarial» de Pessoa, de bem mais vincada projecção no decurso  da sua vida - ou as tentativas que levou a efeito para conquistar a sua independência económica e, simultaneamente, para realizar alguns dos seus sonhos (entre os quais o de ser editor) - , tem de mencionar-se as quatro empresas, todas situadas em Lisboa,  que o poeta criou ou impulsionou.  Refira-se, para começar, a Empresa Ibis (Tipografia e Editora), criada em 1909 e situada na Rua da Conceição da Glória, 38-40. Foi montada desde a raiz pelo próprio autor de «O Marinheiro», que nesse mesmo ano, em Agosto, foi a Portalegre adquirir, numa tipografia local, toda a maquinaria necessária, tendo aí permanecido alguns dias para acompanhar o encaixotamento desse material para Lisboa.  Tal empresa, criada pelo poeta com base num bom pecúlio herdado da avó Dionísia, falecida dois anos antes, ficou muito longe do sucesso esperado e, em princípios do ano  seguinte, deu por finda a sua actividade, tendo sido trespassada para outra empresa gráfica.

Vários anos depois, em 1917-1918, vemos o poeta envolvido, ao que se supõe com os seus amigos Augusto Ferreira Gomes e Geraldo Coelho de Jesus, noutra iniciativa: a do lançamento de uma firma de comissões e consignações, intitulada F. A. Pessoa, situada, primeiro, na Rua  na S. Julião, 41-3º. e, depois, desde Dezembro de 1917 até Maio de 1918, na Rua do Ouro, 87-2º.  Não tendo chegado a completar um ano de existência, tudo indica que a experiência vivida com este escritório comercial não tenha sido mais frutuosa do que a verificada na aventura da Ibis.

Poucos anos  depois da experiência F. A. Pessoa, eis que o poeta se envolve em nova  e ambiciosa tentativa empresarial: a da Olisipo, Ldª., sediada na Rua da Assunção, 58-2º.  Esta empresa, criada em 1921 e pensada ao pormenor pelo próprio Pessoa, que terá contado com o apoio financeiro de outros sócios, estava projectada – como de resto o sugere o próprio subtítulo do seu papel timbrado, «Agentes, Organizadores e Editores» - para atingir diversificados âmbitos de actividade. Dedicar-se-ia, principalmente, ao negócio comissionista de compra e venda de explorações mineiras, à apresentação de projectos de reorganização de empresas, à prestação de serviços de tradução e ao desenvolvimento de uma arrojada programação editorial (inclusive com o apoio de uma livraria, a criar). De todos esses previstos negócios ou serviços foi escasso ou quase nulo o resultado prático obtido. Nesse quadro, que tem de considerar-se de malogro, podem ressaltar-se, todavia - pela sua simbologia cultural e pelo impacto polémico que em alguns casos suscitaram, sobretudo junto dos meios mais retrógados e conservadores da época -, algumas iniciativas de carácter editorial: a publicação de A Invenção do Dia Claro, de Almada Negreiros, de Sodoma Divinizada, de Raul Leal,  das Canções de António Botto (reedição) e dos English Poems, do próprio Fernando Pessoa, uma edição definitiva que, em dois volumes, inclui Antinous, Inscriptions e Epithalamium.

A quarta e última das tentativas empresariais de Pessoa, reporta-se à firma F. N. Pessoa, implantada na Rua de S. Julião, 52-1º.  Embora suscite dúvidas a questão do início da sua vigência, é facto averiguado que, com esse mesmo endereço, portanto como realidade funcional  e com instalações próprias, essa firma já existia em Junho de 1922 e a sua continuidade vai prolongar-se até finais de 1925, pelo menos. Pode reparar-se, portanto, que esse escritório foi, de entre as iniciativas empresariais de Pessoa, aquele que correspondeu a um maior tempo de existência: cerca de quatro anos ou talvez mais. O que não significa que tenha sido maior que nos casos anteriores o sucesso alcançado. Registe-se, à margem, que o tempo da F. N. Pessoa correspondeu a um dos períodos mais intensos da vida do poeta. Basta lembrar, sucintamente, alguns acontecimentos mais essenciais: as diversas peripécias relacionadas com a controvérsia em torno da designada «literatura de Sodoma»; a apreensão dos livros de Botto e de Raul Leal há pouco mencionados;  a publicação dos vários números da Athena, onde o poeta fez aparecer, pela primeira vez e de modo substancial, composições de Ricardo Reis e de Alberto Caeiro;   finalmente, o falecimento da sua mãe, com quem tinha, como é sabido, uma intensa e especial ligação.    

Feita esta sucinta incursão pelas quatro empresas que o poeta resolveu criar e, antes disso, por certas ocupações, com carácter mais ou menos ocasional, que chegou a exercer, importa agora referir, de forma um pouco mais demorada, a outra e mais decisiva actividade profissional exercida por Pessoa durante quase três décadas: a de  correspondente de línguas em numerosos escritórios comerciais.

Começaremos por fazer menção, a título meramente exemplificativo, de duas ou três dessas firmas que, por esta ou aquela razão,  tiveram maior significado na vida do poeta ou simbolizaram melhor as peculiaridades da sua opção profissional. Antes de avançarmos, porém, com esses casos demonstrativos, convirá chamar a atenção para dois ou três aspectos. Primeiro, o facto de Pessoa, no desempenho dessas funções, ter sido sempre considerado pelos numerosos «patrões» que teve – e de quem, não poucas vezes, ficou amigo para toda a vida - como um correcto e eficientíssimo profissional. Atestam-no diversos e fidedignos testemunhos. Segundo, o facto de ter sido decisiva para o alcance desse raro nível de prestígio profissional a formação escolar colhida na África do Sul, com relevo para o ensino das línguas (sobretudo da língua e da cultura inglesas) e de disciplinas relacionadas com a teoria e a técnica comerciais. Terceiro, a circunstância de Pessoa – quase sempre a ganhar «à peça» (isto é, consoante o número de cartas e de outros textos que traduzia), sem horário fixo e usufruindo de grande liberdade de movimentos, como convinha ao seu desejo de conciliar as ocupações de «sobrevivência» com a disponibilidade para os seus afazeres de ordem criativa - trabalhar quase sempre em dois ou mais escritórios ao mesmo tempo, raramente num só.

Começando pelo escritório situado no Campo das Cebolas, 43-1º., e onde, sucessivamente, funcionaram as firmas Lavado, Pinto & Cª. e A. Xavier Pinto & Cª., diga-se que se trata de um dos escritórios cuja ligação à vida de Pessoa se encontra mais documentada. Isso deve-se, antes do mais, ao facto de ser um dos primeiros escritórios a servir de base de recepção e de envio da sua correspondência pessoal, um hábito que se tornou frequente ao longo dos anos. Chegará para demonstrá-lo o número razoável de postais e cartas, com data de 1915 – o ano da revista Orpheu, de significado tão fulcral no seu trajecto artístico -, para aqui enviadas, quase sempre de Paris, por Mário de Sá-Carneiro. Por outro lado, foi deste mesmo escritório que o autor de «Tabacaria» enviou, por exemplo,  algumas importantes cartas a Álvaro Pinto, então secretário da revista A Águia,  a Armando Côrtes-Rodrigues e a Camilo Pessanha, para Macau, solicitando-lhe, já depois da saída dos dois únicos números de Orpheu, colaboração poética para o projectado terceiro número. Diga-se ainda que essa e outra correspondência, enviada de ou para o mencionado endereço, nos ajuda bastante a balizar com aproximação o tempo, pelos anos 1914-1916, da presença de Pessoa em cada um dessas duas firmas.  Essa mesma documentação permite ainda  que se possa situar entre 2 e 19 de Fevereiro de 1915 a passagem de uma para a outra das firmas, necessariamente verificada. Será de notar que, antes ou depois de ter trabalhado no escritório do Campo das Cebolas, Pessoa deu colaboração às mesmas firmas em escritórios com outras localizações: para a Lavado, Pinto & Cª., na Rua da Prata, 267-1º. Dº.; e para A. Xavier Pinto & Cª., na Rua de S. Julião, 101-1º. 

Outro escritório que se inscreve, com traços muito particulares e indeléveis, na biografia de Pessoa, é o da firma Félix, Valladas & Freitas, Ldª., instalada na Rua da Assunção, 42-2º. e dedicada, como muitas outras onde o poeta deu o seu contributo, ao ramo de comissões e consignações.  O primeiro aspecto a fazer sobressair, quanto a esta casa comercial, é a circunstância, do maior significado e mais existencialmente decisiva, de ter sido aí que, em finais de 1919, Fernando Pessoa conheceu Ofélia Queiroz.  Essa Ofélia que, então com 19 anos de idade, era tia, como é sabido, do que viria a ser o poeta Carlos Queiroz. Como é de generalizado conhecimento, com Ofélia manteve o poeta uma discreta e singularíssima relação amorosa, cheia de altos e baixos, de promessas e hesitações (estas sobretudo vindas da parte do poeta, como é óbvio), com profundas implicações na definição da sua qualidade de homem e de escritor.  O sinuoso percurso dessa ligação afectiva – que conheceu duas fases, a de 1919-1920 e a de 1929-1930 - fica particularmente visível nas muitas cartas que ambos os apaixonados trocaram. Um epistolário que,  de resto, deixa transparecer um bom leque de úteis  referências à diversificada vida profissional do poeta, aí se incluindo, como é natural, o  quotidiano enfrentado por ambos na firma Félix, Valladas & Freitas, Ldª. 

Um outro aspecto a considerar, no que ainda respeita a este escritório,  onde o poeta  terá trabalhado apenas por alguns meses,  é o facto de um dos sócios da firma ser precisamente o seu primo Mário Nogueira de Freitas, amigo de sempre e que bastante apoiou o poeta nos seus primeiros passos de correspondente  comercial. Basta lembrar que esse primo, de tão grande importância na vida de Pessoa, também foi titular de diversas outras firmas onde, por volta dos anos 1909-1913, o poeta arranjou trabalho remunerado e terá acumulado preciosa experiência profissional.  Citem-se alguns desses escritórios: Mário N. de Freitas (Rua Bela da Rainha, 81-3º. Dº., actual Rua da Prata); Mário Freitas & Cª. e Agência Mineira Anglo-Portuguesa (Rua do Carmo, 35-2º.); Garantia Social e Agência Internacional de Minas (Largo do Carmo, 18-20).

E terminemos este brevíssimo périplo com o caso, também ele digno de especial registo, da firma Moitinho d’Almeida, Ldª., sediada na Rua da Prata, 71-1º.  Sublinhe-se, para começar, que este terá sido dos escritórios onde por mais tempo prestou colaboração: entre 1923 e o ano do falecimento do poeta (1935).  Era seu proprietário Carlos Eugénio Moitinho d’Almeida, que, com os anos, e como de resto se verificou em outros casos, se tornou um grande amigo e um fiel admirador de Pessoa.  Segundo o filho desse homem de negócios, Luís Pedro Moitinho d’Almeida, terá sido na personalidade do seu pai que se inspirou o poeta para desenhar a figura do «patrão Vasques», bem patente em numerosos trechos do Livro do Desassossego. Discutível ou não, esse afirmação é feita por alguém que conheceu bem o poeta – alguém que, acrescente-se, mereceu de Pessoa um prefácio para um juvenil livro de poemas, Acrónios; alguém que, por sua vez, dedicaria ao autor de «Poema em Linha Recta» alguns textos cujo descritivo, de claro sentido memorialístico, carreia numerosas e úteis referências.  Adiante-se que também este escritório serviu como ponto de encontro do poeta com os seus amigos, assim como foi também base para o envio e a recepção de numerosa correspondência sua.

Convirá referir o facto de neste escritório, onde se intermediava o comércio dos mais diversos produtos, o poeta, além de «correspondente estrangeiro», ser aproveitado como publicitário. Um tanto à semelhança, aliás, com o que se terá passado no escritório do já citado Manuel Martins da Hora. Entre possivelmente alguns outros textos escritos por si no exercício dessas funções na Moitinho d’Almeida, muitos dos quais já sem rasto, perdidos na voragem do tempo, relembre-se um famoso slogan que Pessoa criou para a divulgação da Coca-Cola, que então se pretendia lançar no mercado português: «Primeiro estranha-se, depois entranha-se». É sabido como, de modo involuntário, esse slogan originou, para o seu patrão e amigo, um enorme prejuízo comercial. Tal frase terá bastante contribuído para que as autoridades sanitárias de então, suspeitando da existência de uma substância estupefaciente na bebida, tenham decidido  apreender toda a mercadoria.   Relaciona-se também com este escritório um outro texto pessoano, este mais alongado mas também sugestivo, relacionado com umas tais tintas Berryloid, destinadas à pintura de automóveis. Essa prosa promocional foi mais tarde reproduzida, em 1958, num dos números da revista Folhas de Poesia.

Os escritórios acabados de focalizar, por considerarmos representativos de importantes e diferenciados momentos do percurso profissional e vivencial de Fernando Pessoa, poderiam ser complementados por mais alguns outros. As limitações de espaço, todavia, apenas permitem que se acrescente uma menção meramente nominal destes outros escritórios – talvez ainda não todos, visto que essa inventariação continua aberta a outras hipóteses e descobertas - onde o poeta, ao longo dos anos, na Baixa lisboeta, deu colaboração. Sendo omitidas nesta listagem as casas comerciais já anteriormente citadas, eles serão indicados pela ordem aproximativamente cronológica dessa colaboração: R. G. Dun & Cª.,  uma empresa americana, com vastas ramificações internacionais, cuja sucursal portuguesa se localizava na Rua d'El-Rei, 99-3.º Esqº., actual Rua do Comércio (uma empresa que, segundo Richard Zenith, terá sido, a partir de Setembro de 1907, ou talvez um pouco antes, a primeira entidade empregadora de Pessoa); Martins Lavado (Rua Augusta, 75-2º.);  Lima Mayer & Perfeito de Magalhães (Rua da Betesga, 75-3º.); A. Soares Franco & Cª. (Rua da Prata, 267-1º.); F. Ferreira & Cª., Frederico Ferreira & Ávila, Sebastião Lino FerreiraM. Ávila Lima (Rua da Vitória, 53-2º. Esqº.); Toscano & Cª. Ldª. e Toscano & Cruz, Ldª. (Rua da Prata, 117-121); Companhia Industrial de Portugal e Colónias (Rua do Jardim do Tabaco, 74); Anjos & Cª., Palhares, Almeida & Silva, Ldª. e Sociedade Comercial Rebelo da Silva, Ldª. (Rua dos Fanqueiros, 44-1º.); Casa Serras ou E. Dias Serras Ldª. (Rua da Madalena, 109, depois, ainda em vida do poeta, na Rua Augusta, 228-1º.; este escritório, ainda em actividade, situa-se agora na Rua da Palmeira, 1-r/c.);  Gouveia & Carvalho (Rua da Prata, 93-1º.); e Francisco Camelo (Largo do Corpo Santo, 28-1º., escritório recentemente recuperado e reactivado por Francisco Castelo Branco Camello, neto do antigo «patrão» e também amigo de Pessoa).

A terminar, diga-se que toda a vasta vivência do poeta nos  escritórios onde trabalhou teve bastante influência na sua obra literária.  Primeiro, no aspecto material, dadas, por um lado, a grande liberdade de acesso e de tempo disponível nas horas mortas dos escritórios encerrados e, por outro, a utilização livre das máquinas de escrever e a disponibilidade, praticamente ilimitada,  de papel para dactilografar muita da sua correspondência e dos seus escritos literários.  Depois, no que respeita ao próprio impulso e labor criativos. Ou seja, pode ser observado que diversas das suas composições poemáticas, sobretudo as assinadas por Álvaro de Campos (como em «Dactilografia», na «Ode Marítima» e na «Ode Triunfal»), e que numerosos dos trechos do Livro do Desassossego tiveram como motivo inspirador certas imagens e sensações relacionadas com a actividade mercantil, com o movimento dos transportes, com a azáfama dos negócios ou com a atmosfera própria desses escritórios comerciais que o poeta tão intimamente conheceu.

 

João Rui de Sousa