Identificação
[BNP/E3, 14C – 67-68]
O meu velho amigo Da Cunha Dias leu-me há uma semana – ou, antes, em parte leu-me e em parte me narrou – o seu livro Amor de Outono, a sair, creio, em breve, sendo todavia precedido de um outro, de índole oposta, intitulado Ao Correr da Pena.
Esse livro Amor de Outono é a narrativa – ou, melhor, a exposição – de um episódio da vida de Lopo Pereira da Cunha, que se dizia primo do Da Cunha Dias – parentesco que este não assegura –, que foi um dos espíritos marcantes da geração chamada “de 1907” (do ano da greve académica em que se definiu), que partiu há dois anos para o Cazengo e que ali morreu há meses. São desse Lopo Pereira da Cunha as duas últimas partes do livro –umas Cartas a Branca que formam a segunda parte, e os esparsos, em prosa que deveria ser verso, que constituem a terceira. A primeira
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parte do livro é do próprio Da Cunha Dias; narra isto mesmo desenvolvidamente, historia o encontro com Lopo da Cunha, em que este confiou a seu primo esses papéis[1], e explica que o em que tudo isso se funda (e de aí o título do livro) foi um caso passado no Outono, poucos meses antes do Janeiro em que Lopo da Cunha partiu para África.
|Estas considerações não servem mais que de moldura ao quadro formado pelos trechos que hoje se publicam. Os mesmos trechos, compreensíveis e apreciáveis em si mesmos, dispensam explicação propriamente literária. Esses trechos curiosos são extraídos – diga-se escusadamente – da terceira parte do livro a que me referi.|
São curiosos porque são poemas escritos em prosa sem que a prosa simule o movimento do poema, como na chamada ritmada. São escritos, evidentemente por alguém que ou era orador ou o deveria sê-lo, visto que, ao passo que a prosa ritmada traz em surdina um acompanhamento de música, nesta se sente a voz desacompanhada, vivendo da sua própria vida.
[68v]
São curiosos, além disso, porque apelam, em certo[2] modo, para a mais antiga e a (mais) portuguesa das nossas tradições literárias – o lirismo cavalheiresco, com a sua ternura viril e o seu desprendimento interessado.
[1] papéis /escritos\
[2] certo /seu\
Fragmento manuscrito preparatório do testemunho impresso publicado por Fernando Pessoa com a referência: «Poesias de um prosador», in Diário de Lisboa, Suplemento Literário, 11 de Novembro de 1935, p. 2.