Bento de Oliveira Cardoso e Castro Guedes de Carvalho Lobo, que firmou com o nome de Visconde de Vila-Moura, nasceu a 8 de Novembro de 1877, Baião, e morreu a 3 de Setembro de 1935, Lisboa. Iniciou a sua colaboração com a revista A Águia em Janeiro de 1912, no início da segunda série desta publicação, tornando-se num dos seus colaboradores mais assíduos até 1928, já na quarta série, com mais de meia centena de colaborações. Foi ainda o autor que mais livros publicou com a chancela da Renascença Portuguesa, para cima de vinte títulos entre 1913 e 1924.

Assim como assim, esta marca não faz de Vila-Moura uma figura maximamente representativa da Renascença Portuguesa, onde nunca ingressou nos corpos gerentes, e muito menos do seu espírito, já que o ideário do autor, marcado pelo aristocratismo decadentista de Oscar Wilde e pelo tradicionalismo monárquico, não coincide com as raízes libertárias e republicanas da sociedade cultural portuense. Vila-Moura foi por isso um dos raros autores da Renascença Portuguesa que a partir de 1914 manifestou simpatias pelo Integralismo Lusitano, tornando-se colaborador conhecido da revista Nação Portuguesa, órgão do movimento. A chegada de Vila-Moura à Renascença Portuguesa talvez se tenha dado pela mão de Mário Beirão, colaborador assiduíssimo, apesar da sua tenra mocidade, da primeira série de A Águia, e que passou largas temporadas entre 1911 e 1913 no solar de Porto Manso, Ancede, Douro, onde Vila-Moura vivia.

Teixeira de Pascoaes, que foi o primeiro vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Renascença Portuguesa e o primeiro director literário do seu órgão, exarou na revista A Águia (Setembro de 1912) a sua simpatia pelo romance de Vila-Moura Nova Safo (1912), e logo depois, na segunda conferência-manifesto do saudosismo, puxou um livro do autor, Doentes da Beleza (1913), o segundo a ser editado com a chancela da Renascença Portuguesa, para a órbita do movimento. Por seu lado, Vila-Moura, apesar das suas convicções aristocratizantes e da sua afinidade política com o tradicionalismo monárquico, nunca deixou de colaborar nas iniciativas do grupo do Porto, prestando até ao fim da vida homenagem a alguns dos seus autores. Citem-se os livros que dedicou a Mário Beirão, O Poeta da Ausência (1926), e a António Carneiro, director artístico da segunda série da revista A Águia e autor do logotipo das publicações editadas pela Renascença, O Pintor António Carneiro (1931). Assim como assim, Vila-Moura não foi (apenas) um saudosista; praticou uma literatura que encarecia o mistério, e por isso interessou um saudosista como Pascoaes. Idêntica razão, ainda que em sentido inverso, o levou decerto a debruçar-se sobre a poesia de um Mário Beirão. As afinidades e as adjacências entre Vila-Moura e o saudosismo existem mas não fazem do autor um saudosista representativo, posto que livros como Nova Sapho, Doentes de Beleza ou Boémios (1914) mereçam leituras fundamente saudosistas e tenham até dado novas feições, de tonalidade esteticista, ao movimento.

Fernando Pessoa, com os artigos publicados na revista A Águia em 1912, associou-se à sociedade cultural portuense, convergiu com o seu espírito, conviveu com alguns dos seus membros, manteve contacto epistolar com outros, participou na polémica em que Renascença e saudosismo se viram envolvidos por razão do Inquérito literário de Boavida Portugal. Toda a sua correspondência portuguesa desse ano é com Álvaro Pinto, secretário de redacção da revista A Águia, com excepção de longa carta escrita a Mário Beirão, com data de 6 de Dezembro de 1912, a primeira das sete que escreverá até Julho de 1914 a este poeta. Em cinco delas se refere a Vila-Moura, sempre com carinho; dessas passagens se tira que Pessoa e Vila-Moura se conheceram e trocaram cartas. Estão por publicar as cartas de Pessoa a Vila-Moura, talvez irremediavelmente perdidas dada a dispersão do espólio deste escritor, e apenas uma de Vila-Moura a Pessoa se conhece datada de Outubro de 1912 (in Fernando Pessoa na Intimidade, Lisboa, Dom Quixote, 1987).

A afinidade de Pessoa com Vila-Moura vem por via do saudosismo, e em primeiro lugar do saudosismo de Mário Beirão, que Fernando Pessoa não se cansou de elogiar, mas há outros motivos na obra do Vila-Moura de 1912 e 1913, em primeiro lugar a superioridade aristocrática do “estádio sensual”, que podem justificar a atenção de Pessoa. Ademais, a defesa que Nova Sapho faz do homicídio ou da “liberdade do Vício”, a visão extrema e niilista que tem da revolução do 5 de Outubro e de todas as revoluções, a caricatura-surpresa de Teófilo Braga, a exaltação da necrofilia e do instinto, podem ligar a safo minhota de Vila-Moura, Maria Peregrina, aos aspectos mais vertiginosos do sensacionismo de Orpheu, de Sá-Carneiro a Raul Leal. O Vila-Moura saudosista antecipa na prosa, como Mário Beirão no verso, o espírito de Orpheu;nem mesmo um prosador de primeira hora da revista A Águia como Carlos Parreira, que Santa Rita pintor não se cansava de apresentar como modelo ímpar da nova literatura (vd. cartas de Sá-Carneiro para Pessoa) e que Pessoa projectava lançar como colaborador do terceiro Orpheu, se mostra tão decisivo nesse aspecto como o Vila-Moura de 1912-13. De resto, Parreira prestou preito à prosa de Vila-Moura em Janeiro de 1915 na revista A Águia.

Vila-Moura deixou uma obra muito extensa – em 1924, por exemplo, publicou quase um livro por mês – , quase sempre fiel aos seus propósitos iniciais, mas ainda hoje à espera de uma abordagem nua, aberta e plenamente compreensiva. A sua obra, quando exalta o erotismo e pugna pelo amor livre, apresenta afinidade rija com a de Teixeira Gomes e procura as suas fontes gradas em Fialho, no Fialho das perversões rebeldes, a quem de resto dedicou um livro-estudo, Fialho de Almeida (1917), e em Camilo, o Camilo do amor pecaminoso e dos amantes penitentes, a quem também dedicou vários trabalhos, entre eles, Camilo Inédito (1913) e Fany Owen e Camilo (1917).

 

Bibl.: ALVES, João, O Génio de Vila-Moura, Porto, 1937; LOPES, Óscar, “ Vila-Moura”, in Entre Fialho e Nemésio, vol. I, Lisboa, IN-CM, 1987, pp. 417-420; PARREIRA, Carlos, “ O Visconde de Vila-Moura. Sua prosa e sua Sensibilidade”, in A Águia, nº 37, Porto, Janeiro, 1915 [recolhido no livro A Esmeralda de Nero, Porto, Renascença Portuguesa, 1915].

 

 

António Cândido Franco