Personalidade literária, com várias facetas (jornalista, contista, poeta, ensaísta e charadista), que surge em 1902, partilhando com Pessoa a direcção de A Palavra e assinando o poema «Epitáfio» (cuja segunda estrofe corresponde à primeira do poema «Quando ela passa»; a autoria deste poema será também assumida por ele). Em O Palrador, outro jornal manuscrito criado em Portugal, o Dr. Pancrácio assina poemas, charadas, uma crónica e o conto humorístico «Desapontamento», este com a indicação de pertencer ao livro Brancos e Pretos. Já em Durban, o nome é latinizado e Pancratium elabora, em inglês, um «Ensaio sobre Poética», assinando-o depois com o pseudónimo de Professor Trochee. A escolha do pseudónimo relaciona-se com o tema: «Troqueu» é um pé de verso grego ou latino, composto por uma sílaba longa e outra breve, e o «ensaio» disserta sobre métrica e rima. Este texto (classificado posteriormente por Pessoa como um texto de humor), «escrito para edificação e para a instrução dos pretensos poetas», põe de parte as referências aos críticos antigos por «duas boas razões, a segunda das quais é que, mesmo que soubesse alguma coisa sobre eles, não gostaria de impingir a minha ciência escolar ao leitor». (Pessoa por Conhecer, II, p. 161) Pancratium-Trochee conclui o seu «ensaio» insistindo «com o leitor que, nesta era do automóvel e da arte pela arte, não há qualquer restrição ao comprimento da linha em poesia. (...) Depois de algum estudo, descobri que pode ser geralmente considerada poesia quando cada linha começa com letra maiúscula. Se o leitor conseguir descobrir outra diferença, ficaria muito grato que ma desse a conhecer.» (Ibidem) O Dr. Pancrácio aparece pela última vez em 1905: no número 1 de uma nova série de O Palrador, assina um «Epigrama» sobre reforma ortográfica, tema também de um outro poema humorístico, «Falar e Escrever», de 1902.

O Dr. Pancrácio terá sido a primeira personalidade literária de Pessoa, em português: manifestou-se na sua estada em Portugal (Lisboa e Açores) e acompanhou o seu criador no regresso a Durban. Por outro lado, o Dr. Pancrácio revela já algumas das mais importantes características pessoanas: o soneto «Metempsicose» (1902) versa um dos seus temas obsessivos – «ser morada de uma alma»; e a crítica «Versos de Carnaval» (1902) apresenta «as duas facetas, permanentes e indissociáveis em Pessoa, a de humorista e a de pedagogo» (Pessoa por Conhecer, I, p. 93).

 

Madalena Dine