(1895 – 1967)

Virginia Victorino é o caso literário feminino mais notório de um tipo de sucesso – o estrondoso e fugaz: estrela-mor da sua época, hoje sequer é lembrada. Seus três livros de poemas (Namorados, 1921; Apaixonadamente, 1923; Renúncia, 1926) alcançaram um número excepcional de edições até 1934 (respectivamente 12, 5 e 3), em seguida dilatadas tanto pelo seu renome como autora de peças (que, a partir de 1930, animam o Teatro D. Maria II), quanto por sua atividade na Emissora Nacional. De 1935 a 1951, Virginia Victorino divulga, em transmissões semanais de recitais e no “Teatro Radiofônico” (com o pseudônimo Maria João do Vale), a sua obra e a de outros escritores, muito impositiva quanto à interpretação dos poemas ali apresentados (como testemunha Maria Barroso Soares).      

Amiga do poder, bonita, inteligente e culta (tirou cursos de Piano, Canto, Harmonia e Italiano no Conservatório Nacional onde, mais tarde, será regente da cadeira de Português e Francês), parece ter colaborado para a difusão da cartilha ideológica do Estado Novo, mercê do senso comum dos seus sonetos e do recorte moral da sua dramaturgia de fácil adesão. Nesta, o adultério se faz onipresente como teste para formação do caráter da mulher, apreendida como companheira e mãe, eixo da sagrada família e, por extensão, da pátria – para a saúde da qual também trabalha a Igreja. Não por acaso, foi Virginia Victorino agraciada com a Ordem de Cristo, a de San Tiago da Espada e a de Afonso XII da Espanha, tendo sido recebida pelo Papa Pio XI, pela Rainha Dona Amélia, e convidada, por Getúlio Vargas, a visitar o Brasil (onde também foi editada). Tornada digna de crédito, mostra-se publicamente a favor da reeleição de A. O. Fragoso Carmona para Presidente da República, e apoia, ora sim, ora não, o direito ao voto feminino. Em 1922, ela ainda é contra: “Sou feminina demais para entender que a mulher se deve imiscuir em assuntos que mais dizem respeito ao homem”.            

A peça Camaradas..., que estréia em 1937 (contando na platéia com o Sr. Ministro da Educação Nacional), lhe traz às mãos o Prêmio Gil Vicente (do Secretariado Nacional da Informação), razão por que escreve a Salazar. Aliás, o seu extenso e seletíssimo círculo de amizades incluía Júlio Dantas (seu conselheiro literário e admirador da “beauté du diable” que reconhecia nela – são 49 as cartas dele depositadas no espólio da poetisa), Amélia Rey Colaço (a quem fora concedida, desde 1928. a exploração do Teatro Nacional por 20 anos), seu marido, pai e primo (Robles Monteiro, Alexandre Rey Colaço e Tomás Ribeiro Colaço - com quem Virginia Victorino escreve a peça A Estrangeirinha, em 1932), Olga de Morais Sarmento (que a acompanha em viagens), o casal Fernanda de Castro e António Ferro (do SNI), Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, e outros, dentre os quais Agostinho de Campos, que chega a compará-la a... Camões. Tais relacionamentos explicam, nos meios de comunicação, o anúncio antecipado de suas obras (sempre com alarde e elogios), bem como a fortuna crítica que angariam no tempo. Mas talvez o atestado maior de popularidade deva ser colhido no rol de paródias, a que seus poemas foram submetidos, e no elenco de caricaturas (sempre muito simpáticas) de que VV foi alvo, assinadas por Amarelhe, Baltazar e António Teixeira Cabral.  

Thereza Leitão de Barros exalta nela o “moderno” e contemporâneo do lirismo amoroso, o poder de simpatia dos trocadilhos, da linguagem cristalina e simples, a pureza de inspiração, a perfeição rítmica e formal, a ausência de retórica – naturalidade que, segundo crê, permite à nossa alma sentir “a gostosa vaidade de se reconhecer igual ao que parece ser a alma da poetisa celebrizada”. Todavia, se ressente de que Virginia Victorino tenha desagradecido “um favor divino” e, com isso, perdido público, visto que não se manteve fiel, no derradeiro livro, àquilo que era o seu único e genuíno tema de poesia: o Amor. O fato é que Virginia Victorino abandona a poesia pelo teatro a partir de então, compondo e encenando Degredados (1930), A Volta (1932), Fascinação (1932), Manuela (1934), Vendaval (1941), além das peças mencionadas.

É curioso como, em obra anterior à mudança de rumo de Virginia Victorino, Thereza Leitão de Barros tenha vislumbrado, na sua poesia, o instinto de dramaticidade a ser explorado na carreira futura. No livro de 1924, ela realça a “frase-girândola”, o “lever-de-rideau” com que se encerram os poemas da amiga. Todavia, é de se lastimar que aquilo que parecia vigoroso em versos possa ter-se convertido em pechas teatrais: o monocórdio jogo de oposições dos decassílabos (em antíteses e contrastes) e a estratégia amorosa do esconder e simular, que redunda, afinal, numa espécie de busca do prazer, pelo avesso. Isso sem referir a migração, de um para outro gênero, dos conceitos a respeito do próprio sexo: “Sou caprichosa e fútil. Sou mulher”, segreda o soneto “Ao Teu Ouvido”.   

Antípoda de Florbela em tudo, na glória em vida, no modelo feminino “constitucional”, na limitação de motivos repetidos, Virginia Victorino também o foi de Judith Teixeira. Do Modernismo Português, ela passou ao largo. Almada Negreiros é quem dela se aproximou: desenhou-lhe as capas da 4.ª ed. de Apaixonadamente e da 9.ª e 10.ª de Namorados...    

 

 

BIBL.: Maria José Marinho e Júlia Ordorica. Espólio Virginia Victorino: inventário. Lisboa: BN, 1998; Júlia Lello. Virginia Victorino e a vocação do teatro: o percurso de um sucesso. Amadora: Escola Superior de Teatro e Cinema, 2004; Thereza Leitão de Barros. Escritoras de Portugal. Lisboa: Imprensa Lucas & Cia. 1924, vol. II).

 

 

Maria Lúcia Dal Farra